As férias em Mongaguá e a Taxa de Congestionamento
Era fim de ano e como todo paulistano eu estava procurando um jeito de pegar trânsito para passar a virada do ano na praia. Até a hora em que veio o convite para irmos para a casa do meu amigo em Mongaguá, na Região Metropolitana de Santos. A casa é da família do meu amigo e foi adquirida há muitos anos, quando a população do município devia ser uma singela fração da dos dias atuais, assim como também era menor a demanda de paulistanos à procura de sete ondinhas para pular na virada do ano e como também era menor o Produto Interno Bruto da região (e do Brasil como um todo).
A casa da família do meu amigo faz parte de um conjunto de cinco edificações, sendo que cada edificação é dividida em duas habitações por uma parede central contínua (provavelmente estrutural) na qual se apoia a parte mais alta do telhado. Aos olhos de um transeunte caminhando pela rua e contemplando as edificações, a água do telhado que desce para a esquerda cobre uma unidade habitacional e a água do telhado que desce para a direita cobre outra. Assim, se você conseguiu visualizar o que descrevi deve ter constatado que são dez unidades habitacionais abrigadas por cinco edificações. Se você não conseguiu não fique triste, esse é um detalhe secundário para o desenrolar deste texto, pode continuar lendo sem grandes prejuízos. A área do terreno ocupada pela construção da casa em si não é muito grande, de modo que há uma grande área entre o portão da rua e a porta da casa e outra grande área no quintal atrás da casa. Talvez o terreno pudesse ter sido mais ocupado, mas a hipótese mais provável é a de que a pessoa responsável pela construção e comercialização dos imóveis não tinha mais dinheiro para investir e aquilo foi o que deu para fazer.
A pouca área construída impõe algumas restrições aos frequentadores dependendo da faixa etária: para os mais velhos restringe o número de convidados possíveis devido ao número limitado de leitos; para os mais jovens restringe o conforto e o espaço disponível, já que jovem quando viaja leva basicamente o número de pessoas que toparem o rolê, independente da oferta de espaço. Porém, a pouca área construída oferece algumas vantagens, principalmente ao proporcionar uma agradável área na entrada da casa na qual as rodas de conversa tendem a ser formadas. Outra área disponível é a do quintal, na qual poderia ser construída uma piscina, por exemplo, de modo a possibilitar uma entrada num corpo d’água sem a necessidade de ir à praia, que no fim de ano muitas vezes fica demasiadamente cheia.
Frente à falta da existência de uma piscina no quintal da casa e à falta de verbas por parte do grupo de jovens viajantes que ocuparia o local naquele fim de ano para bancar a construção de uma piscina, a solução encontrada foi comprar uma piscina montável, daquelas que são vendidas nos grandes supermercados. E assim fizemos, Dividindo os custos entre todos os viajantes. Logo que chegamos nos dedicamos à montagem da estrutura. Em seguida ligamos a mangueira e esperamos algumas horas até que a piscina fosse enchida, o que só ocorreu no fim do dia.
Já no segundo dia após acordar, me alimentar, ingerir a quantidade de líquido necessária para um dia de verão nos trópicos e passar protetor solar, eu me dirigi à já montada e já enchida piscina, dentro da qual se encontravam parte dos meus amigos. Foi quando eu me perguntei se deveria me unir a eles ou ir à praia, que ficava a uma distância caminhável da casa. Neste exato instante então eu pensei naquilo que qualquer jovem de férias em um balneário tropical, rodeado de amigos e com um isopor cheio de cervejas geladas à disposição pensa: no modelo que o economista Jan Brueckner propõe no capítulo sobre transportes em seu ótimo livro “Lectures on Urban Economics”.
Naquele instante comecei a me perguntar se valia a pena entrar na piscina, que estava começando a ficar ocupada demais, ou se era melhor ir à praia e dar um mergulho no mar. O prazer da ida à piscina depende do número de pessoas dentro dela, basicamente por conta de dois fatores: interação social e a lotação. Uma pessoa sozinha numa piscina com um cooler de cerveja não se diverte muito. Ao adicionarmos uma pessoa na piscina a situação fica mais divertida, pois há mais uma pessoa com quem conversar e interagir. Porém o espaço da piscina é limitado e a adição de mais uma pessoa na piscina faz com que o ambiente fique mais cheio, com a possibilidade de que um movimento corriqueiro se transforme em uma cotovelada acidental na face de um colega. Em termos gerais, quando a piscina está com poucas pessoas, a adição de mais um elemento melhora a situação, pois o que a pessoa melhora em interação compensa o que ela piora em lotação; já quando a piscina está mais cheia, a adição de mais um elemento piora a situação, pois o que o elemento melhora em interação não compensa o que ele piora em lotação.
Pensando nisso, Brueckner propôs um modelo matemático para ilustrar o dilema do banhista de férias em Mongaguá. Tá, ele não deve ter pensado propriamente em Mongaguá, mas certamente em alguma metrópole como Boston, Chicago ou Nova Iorque; de igual valor paisagístico e cultural, só que com menos oferta de pastel e sacolé.
Vale lembrar que um modelo é uma simplificação da realidade, uma forma de representar a realidade ressaltando alguns elementos aos quais se pretende dar relevância. Maquetes de edifícios (daquelas bonitinhas que ficam dentro de uma caixa de vidro) também são formas de representar a realidade: são simplificadas, não possuem tantos detalhes como o realidade em si, são reduções de alguns aspectos relevantes da realidade. A parede de um edifício representada em uma maquete pode não possuir o mesmo material, mas possuir a mesma cor e a mesma proporção no tamanho dos elementos construtivos. Mesmo sendo uma simplificação, modelos oferecem algumas vantagens: ao contemplarmos a maquete de um edifício podemos ter uma ideia de como será sua aparência quando ele ficar pronto. Não precisamos esperar meses de obra para depois olhar e pensar: “Olhando bem o vermelho das varandas não combina com o resto do edifício, talvez azul ficasse melhor”, isso pode ser constatado através da maquete e o projeto pode ser modificado antes da construção do edifício, o que economizaria os custos de desfazer e refazer a pintura das varandas, por exemplo. Não é à toa que maquetes em inglês são chamadas de Model, mesmo termo utilizado para modelos matemáticos como o que vamos mostrar a seguir. Antes de partir para o modelo proposto por Brueckner em si, vamos fazer algumas considerações.
Em primeiro lugar vamos nos restringir ao universo de pessoas que estão na casa, ao todo são dez pessoas, número exato de jovens que toparam o rolê, e todos pensam de maneira igual em relação a praia e piscina, ninguém tem alergia a cloro, medo de tubarão ou alguma peculiaridade que faça com que esta pessoa se diferencie do grupo.
Em segundo lugar vamos estabelecer um grau de felicidade ou de prazer que pode ser medido numericamente. Vamos chamar este grau de felicidade de “satisfação”, ou seja, quanto maior o valor numérico da satisfação mais feliz a pessoa está. Imaginemos uma pessoa A, que possui grau de satisfação 5 quando assiste série de terror, 3 quando joga xadrez e 12 quando vai ao bar com os amigos; e uma pessoa B, que possui grau de satisfação 1 quando assiste série de terror, 6 quando joga xadrez e 15 quando vai ao bar com os amigos. Neste exemplo a pessoa A gosta mais de assistir série de terror do que a pessoa B e a pessoa B gosta mais de jogar xadrez do que a pessoa A, porém tanto A como B preferem ir ao bar a assistir série de terror ou a jogar xadrez. É difícil quantificar a satisfação que uma pessoa sente ao realizar uma atividade e representá-la simplesmente por um número, mas vamos lembrar que se trata de uma simplificação da realidade.
Em terceiro lugar vamos assumir que a satisfação ao ir para a praia e dar um mergulho em determinado dia é sempre a mesma independentemente da quantidade de pessoas da casa que o fazem: se duas pessoas da casa forem à praia cada uma delas terá um nível de satisfação 3 e se sete pessoas forem à praia cada uma delas também terá um nível de satisfação 3. Já o nível de satisfação ao ir à piscina varia de acordo com a quantidade de pessoas que estão dentro dela devido ao seu espaço limitado.
Bom, tecidas tais considerações vamos imaginar, de acordo com o modelo de Brueckner, uma equação que descreva a o nível de satisfação (s) tomando banho de piscina em função do número de pessoas na piscina (n):
s = 2 + 8n — n²
Tal equação pode ser representada pelo seguinte gráfico:
É interessante lembrar que n só pode ser um número natural menor ou igual a dez (total de jovens na casa), representados pelos pontos azuis destacados na parábola que possui concavidade para baixo e cujo ponto mais alto se encontra no ponto em que n vale 4 e s vale 18. Isso mostra que quando há até três pessoas na piscina a entrada de mais uma pessoa melhora a satisfação de estar na piscina, porém quando há quatro ou mais ocupantes a entrada de um novo elemento piora a satisfação. Também é possível observar que quando há nove ou mais pessoas na piscina a satisfação é negativa, ou seja, estar na piscina nesta circunstância causa um desprazer, seria melhor estar realizando alguma atividade com grau de satisfação 0, que não causa absolutamente nenhuma emoção, como ficar sentado sem fazer nada ou assistir a um jogo do Campeonato Brasileiro de Futebol.
Assim sendo, vamos analisar a tabela a seguir, que mostra os possíveis cenários considerando que as pessoas após acordarem, se alimentarem, ingerirem a quantidade de líquido necessária para um dia de verão nos trópicos e passarem protetor solar decidem se vão ou pra praia ou para a piscina. Em cada linha estão representados sete atributos:
1) O número de pessoas que decidiram entrar na piscina.
2) A satisfação de cada pessoa que está na piscina, calculada colocando o valor do item 1 no lugar de n na equação proposta no modelo de Brueckner.
3) A satisfação total das pessoas que estão na piscina, que é o número de pessoas na piscina vezes a satisfação de cada uma delas, ou seja, o produto dos itens 1 e 2.
4) O número de pessoas que decidiram ir à praia, que é o total de pessoas na casa (10) menos o número de pessoas na piscina indicado no item 1.
5) A satisfação de cada pessoa que está na praia, que vale sempre 3.
6) A satisfação total das pessoas que estão na praia, que é o número de pessoas na praia vezes a satisfação de cada uma delas, ou seja, o produto dos itens 4 e 5.
7) A satisfação total do grupo, que é a soma da satisfação de todos que estão na piscina com a satisfação de todos que estão na praia, ou seja, a soma dos itens 3 e 6.
Através da tabela podemos ver o quão felizes estão cada uma das pessoas e também o grupo todo em cada uma das situações possíveis. Vamos assumir que as pessoas após acordarem, se alimentarem, ingerirem a quantidade de líquido necessária para um dia de verão nos trópicos e passarem protetor solar se dirigem à piscina e se perguntam: “Será que vale a pena ir à praia ou ir à piscina?” Para responder tal pergunta a pessoa calcula a satisfação da piscina conforme o número de pessoas que lá estão e caso a satisfação da piscina seja maior à da praia a pessoa entra na piscina, caso a satisfação da piscina seja menor do que a da praia a pessoa vai para a praia. Caso a satisfação seja a mesma vamos assumir que a pessoa fica na piscina, pois ela já está na casa olhando para a piscina enquanto faz a ponderação. As pessoas tomam uma decisão, portanto, consciente baseada em uma comparação numérica.
A primeira pessoa olha a piscina vazia e pensa: “Se eu for pra praia a satisfação será 3 e se eu for pra piscina a satisfação será 9, então vou para a piscina”. A segunda pessoa olha a piscina com uma pessoa e pensa: “Se eu for pra praia a satisfação será 3 e se eu for pra piscina a satisfação será 14, então vou para a piscina”. A Terceira pessoa olha a piscina com duas pessoas e pensa: “Se eu for pra praia a satisfação será 3 e se eu for pra piscina a satisfação será 17, então vou para a piscina”. E assim todos vão para a piscina até que a oitava pessoa olha a piscina com sete pessoas e pensa: “Se eu for pra praia a satisfação será 3 e se eu for pra piscina a satisfação será 2, então vou para a praia”. A nona e a décima pessoa irão olhar a piscina com sete pessoas, fazer o mesmo raciocínio que a oitava fez e irão à praia, de modo que sete pessoas ficam na piscina (cada uma com satisfação 9) e três pessoas vão para a praia (cada uma com satisfação 3). A satisfação total do grupo neste caso é 9x7 + 3x3 = 63+9 = 72, conforme ilustrado na tabela.
Isto é o que aconteceria se cada um pensasse sob sua perspectiva individual, decidindo entrar na piscina ou ir para a praia baseando-se naquilo que lhe traz mais satisfação. Porém, conforme se vê na tabela, com cinco pessoas na piscina (cada uma com satisfação 17) e cinco pessoas na praia (cada uma com satisfação 3) a satisfação total do grupo é 17x5 + 3x5 = 85 + 15 = 100, que é maior do que a satisfação total caso sete pessoas ficassem na piscina e três fossem à praia.
Neste caso específico, por que a soma das decisões tomadas individualmente de forma racional seguindo uma lógica não representam aquilo que é melhor para o grupo? A chave da resposta é justamente a individualização de uma decisão que afeta mais de um indivíduo. Quando a sexta pessoa pensou se deveria entrar na banheira ou não, ela comparou uma satisfação de 14 entrando na piscina com uma satisfação de 3 indo para a praia. Parece uma decisão óbvia, porém as outras cinco pessoas que estavam na piscina (até então com satisfação 17) perderam cada uma 3 unidades em seu nível de satisfação, resultando uma perda total de 15 na satisfação total do grupo. A sexta pessoa não considerou a perda de satisfação que ela causa nas outras cinco que já estavam na piscina, causando assim queda na satisfação total do grupo, mesmo tomando uma decisão que individualmente faz bastante sentido, no caso optar entre uma atividade que lhe proporciona satisfação 14 e uma outra que lhe proporciona satisfação 3. Também como todos pagaram por igual a piscina a sexta pessoa tem tanto direito de estar na piscina quanto todas as outras, então os cinco ocupantes não possuem o direito de vetar a entrada do sexto elemento caso ele decida entrar na piscina.
Sob uma perspectiva menos coletiva e mais individual também é de se questionar a presença de sete pessoas na piscina. Volte ao gráfico da satisfação em função do número de pessoas na piscina e veja que 18 é o maior valor de satisfação que a piscina pode oferecer para as pessoas. Com sete ocupantes a satisfação de cada um deles é de apenas 9. Já com cinco ocupantes a satisfação de cada um deles é 17, valor bem mais próximo do maior valor que a piscina pode oferecer.
Existem algumas medidas que podem ser tomadas para que o grupo como um todo atinja o maior grau de satisfação e ainda para que as pessoas que fiquem na piscina também possam aproveitar melhor o conforto que ela pode proporcionar. Uma das medidas é estipular uma espécie de rodízio: num dia um grupo de cinco pessoas vai para a piscina e outro grupo de cinco pessoas vai à praia, alternando os grupos no dia seguinte; mas para que isso ocorra é preciso que haja um consenso e um pacto entre todos, o que pode ocorrer com certa facilidade em um ambiente de jovens amigos, mas em um ambiente como uma metrópole com milhões de residentes talvez seja mais complicado, o que pode ser ruim para o paralelo que será traçado mais para frente. Outra forma, e aí começamos a entender o título deste texto, é a de fazer com que se chegue ao melhor para o grupo mesmo considerando decisões tomadas individualmente com critérios lógicos. Imaginemos que fosse cobrada uma taxa de quem usa a piscina. Embora dificilmente tal estratégia seja de fato adotada por um grupo de amigos (principalmente porque quem propusesse tal medida provavelmente seria excluído do círculo social e eventualmente colocado de cabeça para baixo até que o dinheiro do lanche caísse dos bolsos), vamos lembrar que se trata de uma representação da realidade e vamos imaginar no exercício teórico deste texto que tal medida foi adotada. Para seguir a lógica dominante até aqui, vamos determinar esta taxa cobrada em graus de satisfação, não em unidades monetárias, de modo que pagar uma certa quantia financeira implica numa perda de satisfação de acordo com quantia monetária paga.
Vamos supor que seja adotada a seguinte medida: para entrar na piscina deve ser paga uma taxa equivalente a uma perda de 6 graus de satisfação, de modo que tal dinheiro deve ser destinado a uma “caixinha”, que deve ser repartida igualmente entre as pessoas que abriram mão do seu direito de entrar na piscina para ir à praia. Quem decide ir à praia pode usar o dinheiro da caixinha para pedir uma porção de fritas, uma água de coco ou, dependendo do saldo da caixinha, até uma porção de camarão, saborosíssima iguaria dos quiosques de Mongaguá. Desta maneira também aumenta a satisfação de quem vai à praia, pois além do mergulho no mar é possível consumir algo com o dinheiro da caixinha. A tabela refeita com a adoção da medida ficaria com os seguintes atributos:
1) O número de pessoas que decidiram entrar na piscina.
2) A satisfação de cada pessoa que está na piscina, calculada colocando o valor do item 1 no lugar de n na equação proposta no modelo de Brueckner (como na primeira tabela) e depois descontando 6 unidades devido ao pagamento da taxa para entrar na piscina.
3) A satisfação total das pessoas que estão na piscina, que é o número de pessoas na piscina vezes a satisfação de cada uma delas, ou seja, o produto dos itens 1 e 2.
4) O saldo da caixinha, que é o valor da taxa (6) vezes o número de pessoas na piscina indicado no item 1.
5) O número de pessoas que decidiram ir à praia, que é 10 menos o número de pessoas na piscina indicado no item 1.
6) A satisfação de cada pessoa que está na praia, que vale 3 mais o dinheiro da caixinha calculado no item 4 dividido pelo total de pessoas que vão à praia indicado no item 5.
7) A satisfação total das pessoas que estão na praia, que é o número de pessoas na praia vezes a satisfação de cada uma delas, ou seja, o produto dos itens 5 e 6.
8) A satisfação total do grupo, que é a soma da satisfação de todos que estão na piscina com a satisfação de todos que estão na praia, ou seja, a soma dos itens 3 e 7.
Os graus de satisfação nesta tabela são diferentes dos da tabela anterior. A satisfação da piscina é a da tabela anterior descontando-se 6 unidades referentes ao pagamento da caixinha. Já na satisfação da praia há um acréscimo correspondente ao valor da caixinha dividido igualmente entre as pessoas que vão para a praia. Ao grau 3 de satisfação proporcionado pelo mergulho no mar é acrescida uma satisfação devido à comida que a pessoa pede no quiosque após o mergulho com o dinheiro da caixinha. Se apenas uma pessoa for à praia, a caixinha ficará toda para ela, mas se mais pessoas forem à praia a caixinha deve ser dividida igualmente entre todos.
É interessante notar que a última coluna (a da satisfação total) permaneceu inalterada em relação à primeira tabela, isso se deve ao fato de que toda satisfação perdida pelas pessoas que pagaram a taxa para usar a piscina foi ganha pelas pessoas que foram à praia, assim a soma da satisfação do grupo permaneceu inalterada nos dois cenários (com taxa e sem taxa). A única exceção é a primeira linha, pois com 10 pessoas na piscina e 0 na praia todas as pessoas pagaram a taxa, porém nenhuma foi à praia para usufruir do dinheiro.
Lembrando que as pessoas ainda estão tomando decisões racionais individualmente, neste novo cenário a primeira pessoa pensa: “Se eu for pra praia a satisfação será 3. Se eu for pra piscina a satisfação também será 3 (9 menos a taxa de 6). Por questões de proximidade é melhor pagar 6 para a caixinha, ficar em casa e entrar na piscina”.
A segunda pessoa pensa: “O saldo da caixinha é 6, pois apenas uma pessoa contribuiu até agora; assim se as demais nove pessoas forem para a praia cada uma receberá 0.67(resultado de 6/9), o que faz com que a satisfação ao ir à praia seja de 3.67, valor correspondente a 3 mais o valor da caixinha dividido entre todos. Se eu for pra piscina a satisfação será 8 (14 menos a taxa de 6), então vale a pena ficar na piscina”.
A terceira pessoa pensa: “A primeira e a segunda pessoa pagaram 6 de taxa cada uma então o saldo da caixinha é 12, assim se as demais oito pessoas forem para a praia cada uma receberá 1.5 (resultado de 12/8), o que faz com que a satisfação ao ir à praia seja de 4.5. Se eu for pra piscina a satisfação será 11 (17 menos a taxa de 6), então vale a pena ficar na piscina”.
A quarta pessoa pensa: “A primeira, a segunda e a terceira pessoa pagaram 6 de taxa cada uma então o saldo da caixinha é 18, assim se as demais sete pessoas forem para a praia cada uma receberá 2.57 (resultado de 18/7), o que faz com que a satisfação ao ir à praia seja de 5.57. Se eu for pra piscina a satisfação será 12 (18 menos a taxa de 6), então vale a pena ficar na piscina”.
A Quinta pessoa pensa: “A primeira, a segunda, a terceira e a quarta pessoa pagaram 6 de taxa cada uma então o saldo da caixinha é 24, assim se as demais seis pessoas forem para a praia cada uma receberá 4 (resultado de 24/6), o que faz com que a satisfação ao ir à praia seja de 7. Se eu for pra piscina a satisfação será 11 (17 menos a taxa de 6), então vale a pena ficar na piscina”.
Finalmente a sexta pessoa pensa: “A primeira, a segunda, a terceira, a quarta e a quinta pessoa pagaram 6 de taxa cada uma, então o saldo da caixinha é 30, assim se as demais cinco pessoas forem para a praia cada uma receberá 6 (resultado de 30/5), o que faz com que a satisfação ao ir à praia seja de 9. Se eu for pra piscina a satisfação será 8 (14 menos a taxa de 6), então vale a pena ir à praia”. A sétima, a oitava, a nona e a décima pessoa farão o mesmo raciocínio e com cinco pessoas na piscina e cinco na praia chegamos a um estado no qual a satisfação do grupo todo é a maior possível.
Vale ressaltar que tal situação foi melhor inclusive para quem pagou a taxa, pois sem a cobrança da taxa sete pessoas ficariam na piscina, cada uma com uma utilidade de 9; já com a cobrança da taxa cinco pessoas ficariam na piscina, cada uma com uma utilidade de 11 (17 menos 6 da taxa). Também quem foi para a praia ficou em uma situação melhor, pois pôde usufruir do dinheiro da caixinha para custear uma deliciosa porção de camarão.
Claro que é difícil imaginar que pagar uma taxa para uma coisa que você poderia usar sem pagar nada vai tornar sua vida melhor, mas a questão aqui é que se trata de um bem ao qual todos têm igual direito ao uso e, mais ainda, se trata de um bem cujo uso a partir de um certo número de usuários piora a qualidade para todos os usuários, por isso pode ser vantajoso dispor de uma quantia financeira para que outros não usem a piscina, afinal a decisão de usá-la ou não é individual.
Vale ressaltar também que não é tão simples chegar ao melhor nível de satisfação para o grupo. Se a taxa para entrar na piscina fosse 7 ao invés de 6, por exemplo, a primeira pessoa teria satisfação 2 em ir para a piscina e 3 em ir à praia, assim ninguém entraria na piscina, não haveria caixinha e todo mundo iria para a praia, cada um com satisfação 3, totalizando uma satisfação de 30 para o grupo, valor bem abaixo inclusive do atingido no cenário sem cobrança de taxa. Inclusive neste caso o dinheiro gasto com a aquisição da piscina se tornaria inútil. Aliás, tal cenário aconteceria com a atribuição de qualquer valor superior a 6 para a taxa cobrada ao entrar na piscina. Por outro lado, se a taxa fosse 5 ao invés de 6, por exemplo, a sexta pessoa teria satisfação 9 ao entrar na piscina e 8 ao ir à praia, optando por entrar na piscina e assim fazendo com que o melhor nível de satisfação para o grupo não fosse alcançado. Ainda considerando uma taxa de 3 ao invés de 6, a sétima pessoa decidiria entrar na piscina, tornando todo o esforço do autor e dos leitores deste texto em fazer contas e imaginar cenários completamente desnecessário, uma vez que o mesmo resultado seria alcançado no cenário sem a cobrança de taxa. O cálculo da melhor taxa, portanto, não é tão simples, inclusive ao invés de ser constante o valor pode variar em função das pessoas que estão na piscina, mas aí já é um refinamento do modelo o qual este texto não pretende abordar.
Vamos agora traçar um paralelo deste exemplo com o sistema viário em uma grande cidade: um bem ao qual todos os cidadãos tem direito ao uso, tal qual todos os integrantes da casa de Mongaguá tinham direito à piscina. Imaginemos também que existe uma alternativa a andar de carro: pegar o metrô, tal qual ir à praia era uma alternativa a entrar na piscina. Vamos supor também que a satisfação indo de carro ou de metrô é inversamente proporcional ao tempo de viagem, ou seja, quanto maior o tempo de viagem menor a satisfação e quanto menor o tempo de viagem maior a satisfação. Vamos supor também que um deslocamento de metrô demore sempre o mesmo tempo, ou seja, a satisfação em andar de metrô é sempre a mesma, tal qual a satisfação em dar um mergulho no mar era sempre a mesma. Já o tempo de viagem de carro (e portanto a satisfação ao se deslocar de carro) pode variar conforme o número de veículos no sistema viário, assim como a satisfação da piscina variava conforme o número de ocupantes.
Um veículo sozinho utilizando o espaço viário de uma cidade não causa prejuízos para nenhum outro usuário de automóvel. Mesmo com dois veículos na mesma via um não interfere no tempo de viagem do outro. Com três veículos a mesma coisa. Conforme as horas passam os carros vão saindo de casa e começam a ocupar as ruas (assim como os jovens em Mongaguá acordavam e ocupavam a piscina). Assim como no exemplo da piscina, em algum ponto a ocupação do espaço viário por carros vai fazer com que a adição de mais um elemento proporcione uma piora para todos os que estão compartilhando o bem, que é quando se ultrapassa a capacidade viária das ruas. A partir deste ponto cada carro que deixa a garagem de uma residência e segue em direção ao destino do motorista faz com que o tempo de viagem de todos os outros motoristas aumente. Até que em certo ponto uma pessoa, ciente do engarrafamento, decide que é mais rápido pegar o metrô para chegar ao seu destino do que ir de carro. Considerando que a decisão das pessoas em pegar o carro ou o metrô é individual, cada pessoa leva em conta apenas o tempo que ela leva para chegar ao destino, não o aumento de tempo que ela provoca em todos os outros motoristas. Assim como havia um momento em que a sétima pessoa decide que é melhor ir à praia do que entrar na piscina, haverá um momento que um cidadão decide que é melhor ir de metrô do que ir de carro para o seu destino. Porém, assim como os jovens de férias em Mongaguá não consideravam a perda de satisfação que eles causavam nos outros que já estavam na piscina, os que decidem sair de casa de carro não pensam na perda de satisfação que eles causam nos outros que já estão no sistema viário. Assim como a cobrança de uma taxa para entrar na piscina fazia com que um grau de satisfação maior fosse alcançado pelo grupo em geral, uma taxa cobrada para as pessoas saírem de casa de carro pode fazer com que um grau de satisfação maior na cidade como um todo seja alcançado.
Vale a pena lembrar que no exemplo da piscina a cobrança da taxa melhorou a situação inclusive para os que ficaram na piscina, pois faz com que outras pessoas se dirigissem à praia ao invés de ocupar a piscina. Da mesma maneira, uma taxa pode melhorar a situação também para os que se deslocam de carro, pois faz com que outras pessoas decidam pegar o metrô ao invés de se deslocar de carro e congestionar o sistema viário. Para isso foi necessário que a caixinha melhorasse a situação de quem fosse para a praia, o que provocou uma “antecipação” do momento em que a pessoa deixa de ir para a piscina porque está muito cheia e vai para a praia (sem a cobrança da taxa este momento ocorria apenas com o sétimo elemento, com a cobrança da taxa passou a ocorrer com o quinto elemento). No paralelo com o sistema viário a quantia arrecadada poderia ser usada para melhorar o deslocamento por metrô, “antecipando” o momento em que a pessoa que pensa em sair de carro desiste de fazê-lo porque o tempo da viagem de metrô é menor, diminuindo assim a quantidade de carros nas vias.
Mais uma vez ressalto que modelos são simplificações da realidade e existem diversos elementos da realidade que não batem com a simplificação grotesca de uma cidade na qual pessoas se deslocam apenas de carro ou de metrô (desconsiderando que pessoas se deslocam por bicicleta, ônibus, a pé e etc.), sobretudo tendo em vista que em muitas grandes cidades brasileiras os sistemas de metrô não são acessíveis a uma parcela significativa da população. No entanto, alguns aspectos do modelo são bem fidedignos à realidade, como o fato de que a adição de um carro em um sistema viário congestionado contribui para a diminuição do tempo de viagem de todos os que já estão no sistema viário e o fato de que as pessoas quando tomam decisões como o modo de deslocamento não levam em consideração o impacto que a escolha causa no tempo de viagem das outras pessoas.
Pensando justamente neste ponto algumas cidades adotaram a estratégia de cobrar uma taxa das pessoas que se deslocam de carro nos horários e regiões da cidade nos quais há mais congestionamento, caso de Londres, Estocolmo e Singapura. Esta taxa é chamada em inglês de Congestion Tax, a taxa cobrada por uma pessoa pelo fato de ela causar congestionamento e piorar a situação de outras pessoas. Em português este nome foi vulgarmente traduzido para Pedágio Urbano, porém tal expressão não carrega a essência da ideia de cobrar a taxa de modo a direcionar as atitudes individuais dos cidadãos fazendo com que sejam considerados os prejuízos que tal decisão pode causar para o restante da sociedade, por isso este texto opta desde o título pela tradução literal: Taxa de Congestionamento.
Como foi ressaltado na explicação do modelo da piscina, não é uma tarefa fácil chegar à situação na qual a satisfação do grupo é a maior possível. Cobranças erradas da taxa poderiam fazer a situação não mudar ou ficar ainda pior do que a situação na qual nenhuma taxa era cobrada. O mesmo pode acontecer com a implantação de uma Taxa de Congestionamento com valores mal cobrados. Contudo, com a grande quantidade de dados que a tecnologia atual permite acessar, é possível ter um conhecimento preciso dos números e do comportamento das pessoas que se deslocam por carro em toda uma cidade, bem como a taxa pode ser calibrada periodicamente de modo a garantir que o valor cobrado de fato esteja melhorando a situação de todos (motoristas de carro ou não) — como é feito em Cingapura, por exemplo.
Na esperança de que os leitores deste texto se preocupem com a forma como as pessoas se deslocam pela metrópole, deixo a proposta de que pensemos na importância de incentivar deslocamentos por transporte público coletivo e desincentivar deslocamentos por automóvel e convido os que ainda não conhecem as experiências ao redor do mundo que procurem saber um pouco mais sobre a Taxa de Congestionamento. Por fim faço duas perguntas e com elas espero provocar uma reflexão nos leitores: na próxima vez em que você estiver em um congestionamento olhando para vários veículos ocupando o mesmo espaço viário que você (todos tendo pago o mesmo IPVA que você e com igual direito de estarem naquela via), será que vale a pena dispor de uma quantia em dinheiro para melhorar outras formas de deslocamento, fazendo com que outros motoristas deixem de usar o carro e de ocupar a via para se deslocarem de outras maneiras, diminuindo assim o congestionamento? Se você decidisse continuar se deslocando de carro e pagando a taxa, será que o tempo que você economizaria se deslocando por vias mais livres não compensaria o que você pagaria de taxa? Dica: funciona melhor do que construir mais sistema viário para abrigar mais carros — que só vão gerar mais congestionamentos.